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Perspectivas da carreira docente no contexto de precarização




A valorização da carreira docente no Brasil é um tema de grande relevância, especialmente considerando o papel que os professores desempenham na formação das novas gerações e na construção de uma sociedade mais equitativa. Embora haja avanços significativos nas últimas décadas, a trajetória para a valorização efetiva dos educadores ainda enfrenta diversos desafios. A relevância dos professores é um tema central nos debates sobre a qualidade da educação, pois se espera que esses profissionais atuem como mediadores efetivos da aprendizagem. Para que isso aconteça, é imprescindível garantir condições adequadas que sustentem seu trabalho. Isso inclui a oferta de um processo formativo de alta qualidade, que capacite os docentes não apenas em conteúdo, mas também em metodologias de ensino e habilidades interpessoais. Além disso, é essencial que haja uma carreira bem estruturada, com oportunidades de progressão e valorização que reconheçam o esforço e a dedicação dos educadores.


Marília Floôr Kosby, Professora Adjunta do Curso de Medicina, na Unipampa, Campus Uruguaiana, afirma que “Minha motivação para seguir a carreira docente surgiu, em grande parte, da minha formação acadêmica. Sou graduada em Ciências Sociais, com mestrado e doutorado na mesma área, além de uma especialização em Antropologia. Esse percurso me guiou naturalmente para a docência. Além disso, algumas professoras que tive ao longo da minha trajetória foram fundamentais para moldar a forma como ensino hoje. Apesar de ter me juntado à Unipampa há dois anos, considero que ainda estou no início da minha trajetória como professora, descobrindo e reconhecendo o território que me cerca. Acredito que a formação continuada é essencial para todos os profissionais, pois nos permite transcender o papel de docente, permitindo-nos compreender as diferentes responsabilidades que envolvem a educação. A pesquisa está sempre integrada à minha prática docente. Antes de lecionar, trabalhei como pesquisadora, consultora e bolsista, o que torna difícil separar essas experiências. Essa conexão também se reflete nas afinidades que formo com os alunos, que se interessam tanto pelas aulas quanto pelas minhas atividades de pesquisa.”


Marília complementa ainda que “Enfrentamos desafios estruturais significativos na universidade. A sobrecarga de trabalho, que inclui responsabilidades em sala de aula, pesquisa e extensão, é exacerbada por uma carga burocrática pesada e por sistemas de informação precários. No campus Uruguaiana, por exemplo, enfrentamos condições adversas, como a falta de ar-condicionado, no calor insuportável e janelas quebradas que tornam o inverno igualmente desconfortável. Além disso, a localização do campus, distante da cidade e sem opções de moradia para estudantes, limita as oportunidades de lazer e interação, criando um ambiente difícil tanto para docentes quanto para alunos. Embora o espaço físico seja vasto, com mais de 200 hectares, a falta de infraestrutura adequada nos força a buscar alternativas criativas para contornar as limitações estruturais. Em relação à estabilidade e dedicação exclusiva, considero essas questões fundamentais. A carga de trabalho elevada e as responsabilidades que temos, especialmente em relação à vida de nossos alunos—muitos dos quais vêm de comunidades indígenas e quilombolas com poucos recursos—exigem um comprometimento profundo. A responsabilidade de acolher esses estudantes transcende o ato de ensinar; envolve lidar com as vidas e as histórias de pessoas e comunidades inteiras. Portanto, garantir melhores condições de trabalho e estabilidade é essencial para que possamos desempenhar nossa função da melhor maneira possível, tanto para o nosso desenvolvimento profissional quanto para o suporte aos alunos que acolhemos.”


Por outro lado, Rafael Cabral Cruz, doutor em Ecologia e Professor Titular no Curso de Gestão Ambiental no campus São Gabriel, aborda que “no campus enfrentamos uma série de desafios estruturais. A assistência estudantil é precária e insuficiente para a manutenção dos alunos, e a falta de uma casa do estudante agrava o problema. Os cursos EaD oferecem uma alternativa rápida para ingresso no mercado de trabalho, mesmo que precarizado, desviando os alunos de uma formação mais completa. Além disso, a escassez de recursos impede que possamos levar os estudantes a suas comunidades de forma sistemática, já que não há programas institucionais de longo prazo. O sistema de avaliação da atividade docente, que prioriza publicações em revistas internacionais, distancia a academia da realidade regional. Tudo isso me dá a sensação de estar constantemente remando contra a maré, em um esforço desgastante para construir uma universidade que realmente contribua para o desenvolvimento sustentável da metade Sul do Rio Grande do Sul. Essa missão, prevista na lei de criação da universidade, parece esvaziada pela falta de instrumentos e políticas públicas que possibilitem sua implementação.”


A carreira docente no Brasil compromete não apenas a vida profissional dos professores, mas também o futuro da educação superior. Nos últimos anos, a carreira do magistério superior federal, prevista no PUCRCE (Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos), conquistado pela mobilização do movimento docente, passou por um processo de desmonte que se alinha aos ataques à Educação Pública. Esses ataques têm como objetivo atender a um projeto neoliberal, caracterizado pela mercantilização do ensino e pelo produtivismo acadêmico. Um marco importante na desestruturação ocorreu em 2007, com o envio do PLP 01/07 ao Congresso Nacional, que congelava gastos com servidores públicos por dez anos. Em 2012, a eliminação do ordenamento da carreira vigente desde 1987 tornou-se um golpe profundo na trajetória docente.


Rafael afirma que “Os principais problemas e limitações na carreira docente é o modelo fordista e produtivista que se baseia em critérios distantes dos objetivos institucionais da universidade e do desenvolvimento regional. Além disso, há uma falta de programas transversais e permanentes, com orçamentos adequados, que integrem as áreas de pesquisa, extensão, ensino e administração. Isso prejudica ações inter e transdisciplinares, que não são valorizadas em um sistema de avaliação que prioriza publicações em revistas disciplinares e internacionais. Outro ponto é que a estabilidade e a dedicação exclusiva são essenciais para que a universidade se torne um espaço de pensamento crítico e criativo. Sob pressão externa, os docentes tendem a reproduzir o status quo, sem contribuir efetivamente para a resolução dos problemas sociais. Também é crucial garantir a autonomia de gestão financeira das universidades, pois os recursos dos editais são distribuídos com base em prioridades que não refletem as necessidades das comunidades que a universidade atende.”


Diante das dificuldades, o ANDES-SN mobilizou sua base para construir uma nova proposta de carreira, decidida no 55º Conad, em junho de 2010. O debate, que durou meses, focou em aspectos essenciais como o ambiente de trabalho, a valorização do docente e a necessidade de uma carreira única. Em 2011, após intensas discussões, foi aprovada uma proposta de unificação das carreiras do ensino básico, técnico e tecnológico (Ebtt) e do magistério superior. Entretanto, a greve de 2012, que envolveu a adesão de quase todas as Universidades Federais, evidenciou a urgência da valorização da carreira docente. Apesar da mobilização, o governo optou por negociar com a entidade cartorial Proifes, resultando na Lei nº 12.772/2012, que trouxe mudanças prejudiciais à carreira.


As reformas de 2012 e subsequentes alteraram drasticamente a estrutura de carreira, gerando insegurança entre os docentes. A autonomia na administração da carreira foi cerceada, a isonomia salarial foi comprometida e a valorização da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão foi desconsiderada. A crise da carreira docente é um reflexo de uma política educacional que prioriza interesses mercadológicos em detrimento da qualidade do ensino público. A luta por uma carreira estruturada e valorizada é, portanto, uma luta por uma educação de qualidade e pela defesa do papel social das instituições de ensino.


O ANDES-SN está intensificando sua luta pela criação de uma carreira única para docentes federais, após as alterações no Plano de Carreiras e Cargos do Magistério Federal em 2012, 2013 e 2016. A reestruturação da malha salarial e o reposicionamento de aposentados são pontos centrais da mobilização.


Guinter Tlaija Leipnitz, 1º Secretário da Sesunipampa afirma que “A história de luta do ANDES-SN e de outras entidades sindicais da educação está refletida no avanço das políticas públicas educacionais no Brasil. Os artigos sobre educação presentes na Constituição Federal de 1988, por exemplo, são resultado direto da mobilização do movimento sindical docente, que atuou em diálogo com os deputados constituintes para assegurar direitos como a autonomia universitária e a educação pública. Sem essa luta, esses artigos não estariam na Constituição. Além disso, iniciativas como a campanha por 10% do PIB para a educação e a elaboração de leis fundamentais, como a Lei de Diretrizes e Bases e o Plano Nacional de Educação (que infelizmente foram desvirtuados no decorrer dos anos), também foram impulsionadas pelo ANDES-SN e outras entidades. Através de mobilizações, atos, paralisações e greves, o sindicato exerce um papel ativo na construção das políticas públicas educacionais no Brasil.”


Ressalta ainda que “Outro ponto importante é a defesa do saneamento dos quadros de docentes nas instituições, que muitas vezes enfrentam defasagem. Essa situação resulta em sobrecarga para os professores que permanecem, que muitas vezes precisam assumir as responsabilidades de colegas afastados ou que deixaram as universidades sem reposição. Essas são bandeiras históricas do ANDES-SN. É importante destacar, também, as conquistas nas carreiras dos docentes de universidades estaduais, que possuem planos específicos conforme cada estado. Por exemplo, os docentes de Goiás recentemente alcançaram avanços significativos, assim como em outros estados, especialmente no que se refere ao direito à dedicação exclusiva — um dos pilares defendidos pelo ANDES-SN para a valorização da carreira docente.”


Leipnitz enfatiza a relevância dos debates realizados durante o 15º Conad Extraordinário na luta contra a precarização da profissão docente. O evento, que ocorreu de 11 a 13 de outubro na Universidade de Brasília (UnB), reuniu 244 representantes para discutir o tema “Movimento Docente e Carreira: uma luta histórica do ANDES-SN”. Durante o Conad, foi atualizado o plano de lutas das instituições de ensino e aprovada a criação de um novo Projeto de Carreira Única, que prevê progressão estruturada e garantias de valorização do trabalho docente. As propostas resultantes dessas discussões serão apresentadas no próximo congresso do ANDES, marcado para janeiro de 2025 em Vitória (ES).


Discutir princípios que devem estruturar a carreira docente em todas as esferas do serviço público — federal, estadual, municipal e distrital — é um passo fundamental para estabelecermos parâmetros na luta por nossos direitos. A defesa do regime de 40 horas de dedicação exclusiva como forma preferencial de contratação é fundamental, pois incentiva o docente a dedicar integralmente seu tempo à universidade, com uma compensação financeira adequada. Isso é vital para o avanço das atividades acadêmicas, já que uma maior dedicação de trabalho à universidade contribui para as conquistas na educação pública.


Guinter Tlaija  pontua que “a luta por um orçamento estruturado e a denúncia das condições precárias de trabalho são essenciais para enfrentar os desafios que afligem a categoria. No entanto, é importante destacar que medidas como a criação da Carreira Ebtt em 2012 e as sucessivas reformas da previdência efetuadas por governos desde FHC nos anos 90, relacionadas à carreira docente e à aposentadoria, estimulam a fragmentação da unidade da categoria, criando regimes específicos de trabalho e condições de progressão que dificultam o reconhecimento entre docentes de diferentes realidades. Essa fragmentação é uma barreira que tentamos superar em nossas discussões e mobilizações, respeitando as especificidades de cada situação. Em um contexto de precarização, especialmente devido à falta de repasses orçamentários para universidades e outras instituições de ensino, o cotidiano dos docentes se torna cada vez mais desafiador. O acúmulo de trabalho, o estresse e o adoecimento mental gerados por essa pressão são realidades que muitos enfrentam.”


A Unipampa, assim como muitas instituições de ensino superior, enfrenta desafios significativos que comprometem a qualidade da educação que oferece. Entre esses desafios, destaca-se a carência de infraestrutura adequada, incluindo salas de aula confortáveis e espaços de convivência que favoreçam a interação e o aprendizado entre os estudantes. Essa falta de condições adequadas limita a criação de um ambiente propício ao desenvolvimento acadêmico. Além disso, a precariedade dos serviços de assistência estudantil e a ausência de moradia para alunos agravam ainda mais o cenário, afetando especialmente aqueles que vêm de regiões distantes e que se encontram em situações de vulnerabilidade. Essa realidade não apenas dificulta a permanência dos estudantes na universidade, mas também compromete sua formação integral e sua capacidade de aproveitar ao máximo as oportunidades educacionais disponíveis.


Diante desses avanços e desafios, é evidente que a valorização da carreira docente precisa ser tratada de forma mais estratégica e integrada. A criação de políticas que contemplem não apenas a formação inicial e continuada dos educadores, mas também critérios claros para progressão na carreira e melhorias nas condições de trabalho, é essencial, bem como a restauração dos direitos à aposentadoria integral e paritária. É importante também que as políticas de valorização considerem elementos relativos a gênero e raça, buscando eliminar as disparidades que ainda persistem no campo educacional.


A valorização da carreira docente no Brasil é um tema que exige atenção e ação coordenada de todos os níveis de governo e da sociedade. Embora haja marcos importantes que sinalizam avanços na formação e nas condições de trabalho dos professores, os desafios permanecem. Um compromisso firme e contínuo com a valorização dos educadores é fundamental para garantir uma educação de qualidade. É preciso olhar para a carreira docente como um elemento central na construção de uma educação transformadora, capaz de atender às necessidades de uma sociedade em constante evolução.

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