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No Pampa, povos tradicionais e meio ambiente sofrem com o avanço da mineração

Atualizado: 13 de dez. de 2021

10 de dezembro de 2021


Propriedade rural contra a mineração no pampa (Foto – FLD)


O Pampa, que abrange o Estado do Rio Grande do Sul, o Uruguai e alguns municípios da Argentina, foi reconhecido como bioma nacional oficialmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) somente em 2004.


Com maior diversidade de vegetação por metro quadrado - mais do que regiões como o Cerrado, Mata Atlântica, Amazônia e Caatinga - é a área de vegetação no país com menor percentual de terras dentro de unidades de conservação, sendo apenas 2,7%. A previsão, de acordo com a ONU, era de que o Brasil atingisse 17% das terras como reservas ambientais até 2020, mas não atingiu essa meta, permanecendo com as dimensões iniciais de preservação.


Por sua extensão e riqueza, o Pampa gaúcho tem sido alvo de grandes mineradoras e do agronegócio, devastando as terras e expulsando famílias de agricultores da região para produção baseada no uso de agrotóxico, instalação de minas de carvão e extração de areia. Recentemente, há cerca de 5 anos, tem havido um avanço desses empreendimentos nos municípios que fazem parte da região do bioma.


No país, entre 1985 e 2020, a área ocupada pela mineração no Brasil cresceu mais de 6 vezes, segundo o Map Biomas. Além disso, ainda segundo o Instituto, a superfície de água reduziu 15% desde o início dos anos 90.


Para Luna Carvalho, cientista social e doutoranda em desenvolvimento rural (UFRGS), “uma série de fatores têm levado à expansão do extrativismo no Rio Grande do Sul, com o avanço das lavouras de soja, da silvicultura e dos projetos de mega mineração”. Em sua análise, “é possível dizer que faz parte do desenho da divisão internacional do trabalho e da geografia do capitalismo que visualiza aqui recursos estratégicos para exploração econômica”.


A cientista menciona um dado importante: de 2000 a 2015, a área plantada de soja aumentou 188,5% no bioma Pampa. Hoje já há mais área de plantio (38,3% do território) do que da paisagem natural. De acordo com informações divulgadas no jornal Brasil de Fato, "nos últimos 36 anos, o Pampa perdeu 2,5 milhões de hectares de vegetação nativa, que responde por menos da metade (46,1%) do território".


O avanço da mineração pode ser percebido nos números. “De acordo com dados da Agência Nacional de Mineração seriam mais de seis mil pedidos de pesquisa mineral e 166 projetos em andamento, a maioria está localizada na metade sul do estado”, relata Luna.


O Projeto Fosfato Três Estradas, da empresa Águia Fertilizantes, tem como objetivo a instalação de mineradoras para extração do fosfato e produção de fertilizantes que irão abranger duas regiões: Lavras do Sul e Dom Pedrito.



Mina na periferia de Butiá, abandonada pela Copelmi, a maior mineradora privada de carvão do país que faz lobby pela Mina Guaíba. Foto: Igor Sperotto


Para Luna, o avanço do agronegócio é um dos motivos que incentiva a extração do fosfato. E não há nada de positivo nisso. Segundo a pesquisadora, “já existem estudos mostrando como o excesso de fosfato nas águas pode ser danoso para o ambiente, em especial para as águas, provocando o fenômeno da eutrofização, que gera um acúmulo de algas na superfície dos corpos d’água, impedindo a entrada de luz”.


Uma reportagem de 2019 do site O Eco, de jornalismo ambiental, fez um levantamento sobre os empreendimentos que rondam o pampa gaúcho. De acordo com o veículo, à época tentavam licença ambiental junto à Fepam a Mina Guaíba, para extração de carvão mineral, areia e cascalho, para ser instalada em Charqueadas; em Caçapava do Sul, extração de zinco, chumbo e cobre em uma mina a céu aberto; e, em Lavras do Sul, para extração de fosfato. Além desses, o Projeto Retiro, em São José do Norte, prevê a extração de titânio.


A fim de facilitar a instalação dos projetos, em 2015, o então governador do Estado, José Ivo Sartori (PSDB-RS), publicou o Decreto N° 52.431 a fim de ampliar a abrangência das áreas de uso consolidado para, com isso, evitar a demarcação de reserva legal prevista no Código Florestal. Em 2016, movimentos ambientalistas conseguiram uma liminar para suspender o decreto e o caso está parado atualmente.


Mas a saída de Sartori do posto de governador do Estado teve como sucessor Eduardo Leite (PSDB-RS), que fez questão de manter a mesma política. Em junho, o plenário da Assembleia Legislativa aprovou o Projeto de Lei (PL) 260/2020 que altera a Lei nº 7.747/1982. O texto, de autoria do governador Leite, permitiu a flexibilização da lei de agrotóxicos, liberando a entrada de pesticidas que não possuem liberação no seu país de origem. No Dia Internacional de Luta Contra os Agrotóxicos, 3 de dezembro, movimentos sociais, sindicais e ambientalistas dedicaram ao governador o troféu “Amigo dos Agrotóxicos”, em frente ao Palácio Piratini.


Além dos prejuízos ambientais, há também prejuízos devastadores para as famílias, sobretudo para as comunidades de povos tradicionais. Rosecler Winter, Operadora de Direitos Étnicos e Coletivos dos Povos e Comunidades Tradicionais (IFPR) e gestora do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, menciona que a entrada da mineração tem sido cada vez mais rápida e agressiva. “É a usurpação e o roubo dos territórios tradicionais pela rapidez com que ela atinge o bioma. A agricultura familiar é a mais afetada”.


Rosecler comenta que a água, as verduras e os animais já correm o risco de estarem contaminados pela atuação dos empreendimentos já existentes na região, o que deverá ser aprofundado com a instalação de novas mineradoras. Para ela, os riscos ambientais e para a subsistência das famílias são devastadores.


A fim de convencer a população para evitar abaixo-assinado e mobilização popular, as empresas tentam coagir os e as moradoras “fazendo obras nos municípios para que elas acabem gostando da situação, desde a igreja pintadinha pelas mineradoras, servindo de sede às vezes para as empresas darem palestra para a comunidade, creches sendo pintadas, material escolar”. E, com isso, criam “um clima que a própria comunidade fica contra os prejuízos da natureza e para elas mesmo e a favor de um valor que é enganoso”.


Mas quando essas ações não são eficientes, Rosecler relata que há tentativas de agressão. “Eles te pressionam para tu venderes a terra, matando as ovelhas, matando o gado, largando veneno nas hortas, na roça para matar as plantações”. Devido ao medo, as famílias “acabam vendendo a terra por um valor muito menor do que é e acabam tendo que deixar seu negócio de agricultura, mudar para a cidade e procurar um emprego”.


As grandes empresas, além do risco de extinção de espécies vegetais e devastação ambiental, também podem ser responsáveis pela erradicação da cultura dos povos tradicionais.


“O agricultor familiar não vai ter como se sustentar sem ter aquela terra, não vai poder vender o produto pois vai estar contaminado, uma benzedeira como vai benzer com uma erva contaminada, como vai fazer um chá? Os quilombolas também plantam, os bebês são benzidos na água, como vai ser benzido na água contaminada?”, questiona Rosecler.


O objetivo principal dos projetos, em parceria com governos que buscam facilitar que os mesmos sejam desenvolvidos, é o lucro. “A mineradora vai lucrar, mas o meio ambiente e a comunidade vão sofrer”, finaliza a ambientalista.


Para o diretor da Sesunipampa e docente que atua na área ambiental, no campus São Gabriel, Rafael Cruz, “podemos dizer que a falta de priorização de alternativas baseadas no reuso, reaproveitamento e reciclagem, agricultura ecológica, com a intenção de reduzir a demanda por minerais e preservar ecossistemas não combina com a voracidade do capital com seu comportamento neoliberal. Os interesses do capital colocam em risco o esgotamento e a extinção das reservas de recursos naturais, de biodiversidade e de riqueza da diversidade cultural pampeana”.


O engajamento da Unipampa e de toda comunidade acadêmica sobre a situação é fundamental para fortalecer a luta contra o avanço da degradação do Pampa e da precarização da vida das famílias, incentivando uma outra relação baseada na sustentabilidade. Assim como realizar ações de incentivo à agricultura familiar, preservação do bioma e das comunidades tradicionais. A educação e a pesquisa públicas devem ter como pilar o compromisso com os direitos sociais.


Em novembro, a Sesunipampa e mais outros movimentos sindicais e sociais, escreveram a Carta aberta: alerta sobre os perigos do Novo Código da Mineração, a fim de denunciar os riscos da implementação do Código da Mineração. De autoria da deputada federal Greyce Elias (Avante-MG), o projeto tramita na Câmara dos Deputados.


Assessoria Sesunipampa


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