Diagnóstico realizado pela Sesunipampa revela insuficiências e contradições de instituições fronteiriças e multicampi
- assessoriasesunipa
- há 2 dias
- 9 min de leitura

O retorno às atividades acadêmicas na Unipampa trouxe à tona desafios persistentes para docentes e estudantes, conforme levantamento realizado pela Sesunipampa. A pesquisa, conduzida entre o final de março e o início de abril deste ano, destacou as dificuldades enfrentadas em diferentes campi da instituição.
Entre os principais problemas identificados estão a infraestrutura inadequada, restrições orçamentárias e a escassez de apoio institucional, que têm comprometido a qualidade do ensino e a permanência estudantil. Entre os dados apurados, destacam-se avaliações críticas sobre as condições de infraestrutura dos campi. Os docentes apontaram também problemas como equipamentos defasados, falta de manutenção em salas de aula, computadores e projetores com defeitos, além da ausência de recursos básicos como pinceis e apagadores. Em Jaguarão, as instalações foram classificadas como “insatisfatórias”, enquanto em São Borja a situação, embora não seja considerada crítica, é descrita como preocupante.
O impacto das restrições orçamentárias também foi um tema recorrente nas respostas, com professores destacando desafios que variam desde a escassez de materiais didáticos até o aumento da evasão estudantil. Além disso, a falta de apoio institucional, particularmente no que se refere ao acolhimento de calouros, foi citada como inexistente em alguns campi e insuficiente em outros. Outros problemas como a precariedade do restaurante universitário, dificuldades no transporte, questões econômicas e a ausência de políticas contínuas de assistência foram apontados como obstáculos significativos para a permanência dos alunos.
Esses problemas, no entanto, não são exclusivos da Unipampa. Eles refletem uma realidade comum a muitas universidades públicas, especialmente aquelas localizadas em regiões de fronteira ou interior. Este cenário foi um dos temas centrais do II Seminário de Multicampia e Fronteira do ANDES-SN, realizado em Boa Vista, que reuniu docentes de diversas regiões do Brasil para discutir as especificidades do trabalho docente em áreas de fronteira. O evento expôs não apenas as condições de trabalho e ensino, mas também as estratégias necessárias para garantir políticas públicas mais eficazes para o setor. A luta por uma educação pública de qualidade, especialmente nas regiões mais distantes e desassistidas, segue sendo uma prioridade para os docentes da educação superior pública no Brasil.
A presença da Sesunipampa no II Seminário de Multicampia e Fronteira do ANDES-SN trouxe à tona uma série de desafios enfrentados pelas universidades multicampi ao redor do país, com um foco nas dificuldades de infraestrutura e na escassez de recursos orçamentários. Suzana Cavalheiro de Jesus, presidenta da Sesunipampa, que representou a seção no evento, enfatizou que a situação orçamentária das universidades está diretamente ligada à manutenção de condições mínimas para garantir a permanência estudantil e o funcionamento adequado das atividades acadêmicas. Segundo Suzana, "a questão do orçamento é central. A falta de recursos adequados compromete a oferta de serviços essenciais, como o transporte de docentes e estudantes. Em campi localizados em regiões de difícil acesso, como São Gabriel, a escassez de transporte adequado tem gerado sérios obstáculos. Os ônibus disponíveis, frequentemente sucateados, não oferecem condições de segurança ou eficiência para deslocar a comunidade universitária. A necessidade de uma frota robusta e diversificada, que inclua ônibus, micro-ônibus e vans, foi apontada como crucial para garantir o deslocamento adequado entre os campi e as cidades vizinhas."

Além disso, ressaltou que "a ausência de uma política efetiva de assistência estudantil, que considere as condições específicas dessas cidades, também é um desafio constante. As cidades que abrigam esses campi frequentemente enfrentam dificuldades como a falta de transporte público eficiente, serviços de saúde precários e altos custos com moradia, o que torna a universidade menos atrativa para muitos estudantes. Para que as universidades multicampi cumpram seu papel de promoção do conhecimento e da inclusão, é essencial garantir condições mínimas de moradia estudantil, alimentação e transporte, especialmente considerando a diversidade de estudantes que não são exclusivamente da região, mas de todo o país."
A falta de estrutura adequada nos campi também impacta diretamente a vivência universitária. A ausência de espaços de convivência, como cantinas e locais para atividades culturais, limita a integração dos estudantes e a produção de uma visão crítica sobre a sociedade. Para que a universidade cumpra seu papel de formação integral, é necessário que esses espaços existam e estejam funcionando de maneira eficiente, com a oferta de todas as refeições, incluindo nos finais de semana. Isso foi mencionado pela presidenta como parte das condições mínimas necessárias para que a universidade possa exercer seu papel de forma ampla.
As dificuldades reveladas pela pesquisa conduzida pela Sesunipampa — como a carência de infraestrutura, a fragilidade da assistência estudantil e os impactos do orçamento limitado — encontraram eco nas trocas de experiências ao longo do seminário. À medida que os relatos de diferentes instituições iam sendo compartilhados, ficou evidente que a realidade enfrentada na Unipampa reflete um quadro mais amplo, marcado por desafios estruturais comuns às universidades multicampi. As percepções destacaram a urgência de políticas públicas que reconheçam as particularidades dessas instituições, especialmente no que diz respeito à interiorização do ensino superior. A convergência entre os dados levantados e os diálogos promovidos durante o evento apontou caminhos possíveis, mas também reafirmou a necessidade de mobilização e articulação entre universidades, comunidades e governo para garantir condições reais de permanência e qualidade na formação acadêmica.
Os desafios enfrentados por instituições de ensino superior localizadas em regiões de fronteira e multicampia ultrapassam os limites do orçamento. A Universidade Federal de Roraima (UFRR), situada no extremo norte do país, é um exemplo emblemático dessa realidade. Em meio a um intenso fluxo migratório vindo da Venezuela e da Guiana, somado a problemas estruturais históricos, a universidade enfrenta dificuldades que, muitas vezes, são invisibilizadas nas políticas educacionais em âmbito nacional.

A UFRR também sofre com muitos problemas estruturais típicos das instituições de multicampi e fronteira
Eduardo Gomes da Silva Filho, professor da UFRR que atua diretamente nos campi do interior do estado, relata que viver e trabalhar em uma região de fronteira traz inúmeros desafios: dificuldade de deslocamento, acesso limitado aos principais serviços públicos — como saúde e educação —, além da insegurança causada por atividades ilegais como o garimpo, o tráfico de drogas e os conflitos ambientais e territoriais. “Existe um ambiente de grandes desigualdades socioeconômicas e uma ausência quase total de políticas públicas específicas para fronteiras”, aponta.
A instituição possui quatro campi distribuídos entre a capital, Boa Vista, e outras localidades com acesso difícil, como São João da Baliza. Além disso, está em processo de interiorização com parcerias municipais, através do Projeto de Ensino Estratégico de Interiorização (PRAEN). Contudo, esse avanço enfrenta barreiras significativas: estradas precárias, necessidade de transporte fluvial em algumas regiões e uma matriz energética instável que prejudica a rotina acadêmica e administrativa.
O impacto do contexto socioeconômico dos estudantes — muitos oriundos de áreas indígenas e rurais — também exige da gestão ações afirmativas, apoio estudantil ampliado e estratégias pedagógicas diferenciadas. “Temos poucos servidores nos campi do interior, o que leva a uma sobrecarga de trabalho. Acumulamos funções de ensino, pesquisa, extensão e administração, o que acaba adoecendo muitos colegas”, relata.
A crise orçamentária apenas agrava esse quadro. Em anos recentes, a UFRR iniciou semestres letivos sob forte incerteza, devido a cortes e contingenciamentos de verbas por parte do governo federal. Essa instabilidade compromete o funcionamento básico da universidade e fragiliza ainda mais políticas essenciais, como assistência estudantil e ações de permanência. “Em muitos momentos, serviços foram mantidos no limite. Há um esforço coletivo para segurar o funcionamento, mas sem uma estrutura estável, tudo vira improviso”, lamenta o docente.
Apesar dos inúmeros obstáculos, os servidores continuam mobilizados, atuando em diálogo com as comunidades locais e buscando alternativas para manter viva a missão das universidades públicas: garantir acesso à educação de qualidade, com inclusão e compromisso social. Como destacou o professor, é urgente reconhecer as particularidades das instituições de fronteira e investir em soluções que respeitem suas especificidades — uma pauta que ecoou durante o II Seminário de Multicampia e Fronteira, realizado pelo ANDES-SN, e que segue mobilizando a comunidade acadêmica em todo o país.
Apesar dos inúmeros obstáculos, como a distância dos grandes centros e as limitações de infraestrutura, as universidades continuam empenhadas em garantir acesso à educação de qualidade, com inclusão e compromisso social. O reconhecimento das particularidades das instituições localizadas em regiões de fronteira e interior é visto como um passo essencial para avançar em soluções concretas — um dos temas que norteou os debates do II Seminário de Multicampia e Fronteira, promovido pelo ANDES-SN.
Durante o encontro, foi apresentado o resultado de um levantamento nacional realizado pelo GT Multicampia e Fronteira do sindicato, que destacou um cenário alarmante de precarização nas universidades, institutos e cefets localizados em regiões de fronteira. Mais de 50% das instituições analisadas enfrentam problemas significativos de infraestrutura, como a dependência de prédios alugados e a falta de transporte adequado. A falta de investimento atinge cerca de 39% dessas instituições, prejudicando desde a manutenção básica até as ações de permanência estudantil. A dificuldade de fixação de docentes, agravada pela falta de serviços públicos e moradia, tem comprometido o funcionamento regular dessas instituições. A sobrecarga de trabalho dos servidores e as altas taxas de evasão, aliadas à distância geográfica e ao alto custo de vida, reforçam a necessidade de políticas públicas estruturantes que atendam às necessidades específicas dessas regiões e garantam condições adequadas para o trabalho e ensino.
No caso da Unipampa, a universidade vive um cenário crítico de evasão, baixa procura e dificuldades para garantir a permanência dos estudantes. Em 2025, a instituição registrou o pior ingresso via ENEM desde 2010, evidenciando uma queda preocupante na adesão aos cursos. Além disso, a evasão tem superado o número de concluintes, agravando o esvaziamento dos campi. A fragilidade orçamentária, associada à falta de infraestrutura e à ausência de políticas públicas voltadas ao interior e às regiões de fronteira, compromete o funcionamento regular da universidade e sua capacidade de cumprir sua missão social.
Por outro lado, o professor Eduardo Gomes da Silva Filho, ressaltou que os campi fora da sede da UFRR demandam recursos adicionais para transporte, manutenção, deslocamento de pessoal e outras despesas operacionais, mas o orçamento não é descentralizado, nem há verbas específicas para políticas de interiorização. A rigidez orçamentária, somada aos bloqueios de verbas discricionárias, prejudica a capacidade da universidade de responder a demandas urgentes, como crises migratórias, emergências ambientais e necessidades específicas dos estudantes indígenas. Além disso, a ausência de uma estrutura sindical descentralizada dificulta o acolhimento das demandas locais. “Muitos servidores nos campi do interior se sentem isolados e pouco representados, o que reduz a adesão às ações sindicais”, explicou, destacando que fatores como medo de retaliação, sobrecarga de trabalho, limitações tecnológicas e a distância física dificultam o engajamento coletivo e enfraquecem o sentimento de pertencimento entre os sindicalizados mais distantes.
Do ponto de vista estudantil, os desafios são igualmente severos. Alunos percorrem longas distâncias em estradas precárias, vindos de comunidades indígenas, rurais ou de países vizinhos como Venezuela e Guiana. As dificuldades vão desde a barreira linguística até a ausência de documentação regularizada, impactando o acesso a auxílios, permanência legal no país e até mesmo a matrícula. A infraestrutura limitada nos campi descentralizados — com carência de bibliotecas, laboratórios e apoio psicopedagógico — compromete a qualidade do ensino. Para estudantes indígenas, somam-se ainda os desafios culturais, o preconceito e a necessidade de conciliar os estudos com responsabilidades comunitárias. Apesar dos esforços institucionais, como os cursos ofertados pelo Instituto Insikiran, a falta de orçamento agrava o cenário “a escassez ou atraso de repasses do PNAES compromete a assistência estudantil. Em regiões com custo de vida elevado e poucas oportunidades de renda, como o interior de Roraima, esses auxílios são muitas vezes o que garante a permanência dos estudantes”, afirmou Eduardo.
A presidenta da Sesunipampa, Suzana Cavalheiro de Jesus, destacou a importância da organização e articulação em torno das especificidades das instituições de multicampia e fronteira. Segundo ela, o Grupo de Trabalho de Multicampia e Fronteira, aprovado no Congresso do ANDES-SN em Fortaleza, tem se consolidado como um espaço estratégico para o estudo, a pesquisa e o acompanhamento da realidade das instituições que atuam nesse modelo no Brasil "o seminário é fruto do amadurecimento das discussões dentro do GT. É essencial que ocupemos esse espaço, participemos dos debates e acompanhemos de perto as condições dentro das nossas instituições", pontuou. Ela ressaltou que a pesquisa sobre as condições de trabalho e estudo realizada pela Sesunipampa está inserida nesse contexto, contribuindo para uma análise mais precisa da realidade local e fortalecendo sua articulação com o plano nacional de lutas do sindicato.
Segundo Suzana, a Unipampa, por ser uma universidade jovem e com uma estrutura multicampi desde sua fundação, enfrenta desafios distintos de outras instituições mais antigas e com tradição sindical consolidada. “Nós estamos construindo essa tradição agora. Diferente de universidades que se tornaram multicampia com o tempo, como a FURG, nós já nascemos assim, espalhados por diferentes regiões e áreas de conhecimento”, disse. Diante da dificuldade de presença física da diretoria sindical em todos os campi, a seção tem realizado caravanas, que percorrem as unidades em datas específicas para promover encontros com os docentes, prestar assessoria jurídica e debater as pautas da categoria “todas as nossas ações são coletivas, mesmo que a pessoa não seja sindicalizada, ela vai ser beneficiada. A gente vai sempre trabalhar para toda a categoria e cada um precisa analisar a necessidade e a importância de se organizar politicamente, porque nenhum dos nossos direitos foi dado. Todos eles foram conquistados. E muitas coisas da especificidade da multicampia só existem por conta da luta sindical.”, concluiu.
A pesquisa realizada pela Sesunipampa e as reflexões compartilhadas durante o II Seminário de Multicampia e Fronteira do ANDES-SN deixam claro que os desafios enfrentados pelas universidades localizadas em regiões de fronteira e interior não são pontuais, mas estruturais. A precariedade orçamentária, as dificuldades de infraestrutura, a ausência de políticas de permanência estudantil eficazes e o isolamento geográfico compõem um cenário que compromete o direito à educação pública, gratuita e de qualidade.
No entanto, ao mesmo tempo em que escancaram problemas, os dados e relatos também indicam caminhos. A consolidação de espaços como o Grupo de Trabalho de Multicampia e Fronteira e o fortalecimento da organização coletiva, por meio da atuação sindical e do engajamento da comunidade acadêmica, mostram que há disposição para transformar essa realidade. Garantir o funcionamento pleno das universidades multicampia e de fronteira é essencial para assegurar o compromisso com a democratização do ensino superior e com o desenvolvimento das regiões historicamente mais negligenciadas.
Comments